quarta-feira, 18 de junho de 2008

Dissertação sobre os afectos

No meio de gargalhadas, a empregada de limpeza aqui da gazeta informou-nos que o marido está “muito mal”.
Senhora redonda, farta de carnes, cabelo armado e pintado em tom cobre. Chegou bem disposta, pela manhã, para receber um cheque e dizer que “as escadas estão a precisar de ser limpas”.
Nos momentos em que esperava, rejubilante, pelo dinheiro que não tardaria em chegar às suas mãos, contou as aflições que parecem não afligi-la. “Estou de férias, mas tenho que ir para casa porque o meu marido está muito mal. Tem um mal na garganta. Não come, está um pau de virar tripas”.
Fizemos aquela expressão macambúzia que é suposto aparentar nestas alturas, mas a senhora logo nos surpreendeu com o lado feliz da tragédia. “Eu sei que ele vai morrer, mas eu não quero que ele vá já, quero que dure até Julho. Nessa altura vem o subsídio de férias dos reformados. Inda são 80 contos, temos que ser realistas”.
Fitei aquela mulher de unhas vermelhas com o verniz desbotado e pensei “carago, porquê que tudo me prova que o amor (ou o que quer que justifique uma relação a dois) tem necessariamente os dias contados, ou é pelo menos oportunista”?!

2 comentários:

E disse...

Pergunto-me se o marido é assim tão realista!:p

Fábio Pereira disse...

Quem quiser chamar amor a isso que chame!
Por isso é que é bom não casar com o primeiro trambolho que nos aparece à frente. Eu acredito na pessoa certa, não sei é quando...nem como! :p
Pobre homem!